Vítimas de violência: por que não conseguem perder peso

Eles podem fazer esforços incríveis para perder peso, mas não alcançam resultados. A “parede de gordura”, como uma concha, os protege do trauma psíquico vivenciado uma vez. A psicóloga clínica Yulia Lapina fala sobre vítimas de violência – meninas e mulheres que não podem ser ajudadas por dietas comuns.

Lisa (nome alterado) ganhou 15 quilos aos oito anos de idade. Sua mãe a repreendeu por comer muito macarrão no refeitório da escola. E ela tinha medo de dizer à mãe que seu tio constantemente a incomodava.

Tatyana foi estuprada aos sete anos. Ela comia demais e, antes de cada encontro com o namorado, fazia-se vomitar. Ela explicou assim: quando ela tinha impulsos sexuais, ela se sentia suja, culpada e experimentava um ataque de ansiedade. A comida e a subsequente «limpeza» ajudaram-na a lidar com esta condição.

CONEXÃO PERDIDA

Uma mulher escolhe esse método de proteção inconscientemente: o peso ganho torna-se para sua proteção de uma situação traumática. Como resultado, através dos mecanismos inconscientes da psique, ocorre um aumento do apetite, o que leva a excessos e ganho de peso. Em certo sentido, a obesidade também protege essa mulher de sua própria sexualidade, porque o comportamento sexual ativo em mulheres com excesso de peso é socialmente desaprovado – assim como em mulheres com mais de cinquenta anos.

A ligação entre abuso sexual e transtornos alimentares tem sido discutida há muito tempo. Baseia-se principalmente em emoções: culpa, vergonha, autoflagelação, raiva de si mesmo – bem como tentativas de abafar sentimentos com a ajuda de objetos externos (comida, álcool, drogas).

Vítimas de violência usam a comida para lidar com sentimentos que nada têm a ver com fome

O abuso sexual pode afetar o comportamento alimentar e a imagem corporal da vítima de diferentes maneiras. No momento da violência sobre o corpo, o controle sobre ele não pertence mais a ela. Os limites são violados grosseiramente e a conexão com as sensações corporais, incluindo fome, fadiga, sexualidade, pode ser perdida. Uma pessoa deixa de ser guiada por eles simplesmente porque deixa de ouvi-los.

As vítimas de abuso usam a comida para lidar com sentimentos que nada têm a ver com a fome. Sentimentos com os quais a conexão direta é perdida podem vir à consciência com algum impulso incompreensível e vago “quero algo”, e isso pode levar a comer demais, quando a resposta para cem problemas é comida.

MEDO DE SE TORNAR UMA CRIANÇA DEFEITUOSA

A propósito, as vítimas de violência sexual podem ser não apenas gordas, mas também muito magras – a atratividade sexual corporal pode ser suprimida de diferentes maneiras. Algumas dessas mulheres compulsivamente fazem dieta, jejuam ou vomitam para tornar seus corpos «perfeitos». No caso deles, estamos falando do fato de que o corpo «ideal» tem mais poder, invulnerabilidade, controle sobre a situação. Parece que assim poderão se proteger do sentimento de desamparo já vivenciado.

Quando se trata de abuso infantil (não necessariamente abuso sexual), homens e mulheres com excesso de peso temem perder peso subconscientemente porque isso os faz se sentir menores, como se fossem crianças indefesas novamente. Quando o corpo se torna “pequeno”, todos aqueles sentimentos dolorosos com os quais eles nunca aprenderam a lidar podem vir à tona.

APENAS OS FATOS

Cientistas da Escola de Medicina e Epidemiologia da Universidade de Boston, liderados por René Boynton-Jarret, realizaram um estudo em larga escala sobre a saúde da mulher de 1995 a 2005. Eles analisaram dados de mais de 33 mulheres que sofreram abuso sexual na infância e descobriram que eles tinham um risco 30% maior de se tornarem obesos do que aqueles que tiveram a sorte de evitá-lo. E este estudo não é isolado — existem muitos outros trabalhos dedicados a este tema.

Alguns pesquisadores relacionam o problema do excesso de peso com outros tipos de violência: trauma físico (espancar) e mental (privação). Em um estudo, os comedores compulsivos foram solicitados a selecionar alguns itens de uma lista de experiências de trauma. 59% deles falaram sobre abuso emocional, 36% – sobre físico, 30% – sobre sexual, 69% – sobre rejeição emocional de seus pais, 39% – sobre rejeição física.

Esse problema é mais do que sério. Uma em cada quatro crianças e uma em cada três mulheres sofrem alguma forma de violência.

Todos os pesquisadores observam que não se trata de uma ligação direta, mas apenas de um dos fatores de risco, mas é entre as pessoas com excesso de peso que se observa o maior número daqueles que sofreram violência na infância.

Esse problema é mais do que sério. De acordo com o Relatório Global sobre a Prevenção da Violência de 2014, elaborado pela Organização Mundial da Saúde e pelas Nações Unidas com base em dados de 160 especialistas em todo o mundo, uma em cada quatro crianças e uma em cada três mulheres sofrem algum tipo de violência.

O QUE PODE SER FEITO?

Independentemente de o seu peso extra ser «armadura» ou o resultado de excessos emocionais (ou ambos), você pode tentar o seguinte.

Psicoterapia. O trabalho direto com trauma no consultório de um psicoterapeuta é uma das formas mais eficazes. Um terapeuta experiente pode ser a pessoa para compartilhar e curar sua antiga dor.

Procure grupos de apoio. Trabalhar com trauma em um grupo de pessoas que o vivenciaram é um grande recurso para a cura. Quando estamos em grupo, nosso cérebro pode “reescrever” as reações, já que uma pessoa é principalmente um ser social. Estudamos em grupo, encontramos apoio nele e entendemos que não estamos sozinhos.

Trabalhe para superar os excessos emocionais. Trabalhando com trauma, em paralelo, você pode dominar os métodos de trabalhar com excessos emocionais. Para isso, terapia de atenção plena, ioga e meditação são adequadas – métodos relacionados às habilidades de entender suas emoções e sua conexão com os excessos.

É importante lembrar que nossos sentimentos são um túnel: para chegar à luz, é preciso atravessá-la até o fim, e isso requer um recurso.

Encontrando uma solução. Muitos sobreviventes de traumas tendem a entrar em relacionamentos destrutivos que só pioram as coisas. Um exemplo clássico é um homem alcoólatra e uma mulher com problemas de excesso de peso. Nesse caso, é necessário adquirir as habilidades de vivenciar as feridas do passado, estabelecer limites pessoais, aprender a cuidar de si e do seu estado emocional.

Diários de emoções. É importante aprender a expressar suas emoções de forma saudável. Técnicas de relaxamento, busca de apoio, exercícios respiratórios podem ajudar nisso. Você precisa desenvolver a habilidade de reconhecer seus próprios sentimentos, manter um diário de emoções e analisar seu comportamento causado por elas.

Estratégias simples. Ler, conversar com um amigo, passear — faça uma lista de coisas que o ajudam e mantenha-a com você para que tenha soluções prontas em um momento difícil. Claro, não pode haver “remédio rápido”, mas encontrar o que ajuda pode melhorar significativamente as condições.

É importante lembrar que nossos sentimentos são um túnel: para chegar à luz, você precisa atravessá-la até o fim e, para isso, precisa de um recurso – passar por essa escuridão e experimentar emoções negativas por algum tempo. . Mais cedo ou mais tarde, esse túnel terminará e a liberação virá – tanto da dor quanto de uma conexão dolorosa com a comida.

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