Quando os seriados representam uma ameaça para a psique

Vivemos a era de ouro das séries de TV: elas deixaram de ser consideradas um gênero baixo há muito tempo, os melhores cineastas da geração estão trabalhando em sua criação e o formato permite contar histórias em detalhes e em detalhes, de certa forma que não é feito no cinema. No entanto, se nos empolgarmos demais com a visualização, corremos o risco de nos afastarmos do mundo real com seus problemas e alegrias. A blogueira Eloise Stark tem certeza de que aqueles cujo estado mental deixa muito a desejar são especialmente vulneráveis.

Tenho medo de ficar sozinho comigo mesmo. Provavelmente, para quem nunca sofreu de depressão, transtorno obsessivo-compulsivo ou ansiedade, é difícil entender isso e imaginar que coisas o cérebro pode jogar fora. Uma voz interior sussurra para mim: “Você é inútil. Você está fazendo tudo errado.» «Desligou o fogão? ele pergunta no momento mais inoportuno. — E você tem certeza disso? E assim por várias horas seguidas em círculo.

As séries me ajudaram a abafar essa voz irritante desde a adolescência. Eu realmente não os assistia, mas os usava como pano de fundo enquanto preparava minhas aulas, ou fazia algo, ou escrevia – em uma palavra, eu fazia tudo o que era para ser uma garota da minha idade. Agora tenho certeza: essa é uma das razões pelas quais não percebi minha depressão por anos. Eu simplesmente não ouvi meus próprios pensamentos negativos. Mesmo assim, senti um vazio interior e a necessidade de preenchê-lo com algo. Se eu pudesse pensar no que está acontecendo...

Houve e ainda há dias em que desenhei ou fiz algo por 12 horas seguidas, engolindo episódio após episódio da série, e durante todo o dia nenhum pensamento independente apareceu na minha cabeça.

Os programas de TV são como qualquer outra droga: enquanto você os usa, seu cérebro produz o hormônio do prazer dopamina. “O corpo recebe o sinal: 'O que você está fazendo é certo, continue com o bom trabalho'”, explica o psicólogo clínico René Carr. — Quando você assiste ao seu programa favorito, o cérebro produz dopamina sem parar e o corpo experimenta uma alta, quase como usar drogas. Há uma espécie de dependência da série – na verdade, é claro, da dopamina. As mesmas vias neurais são formadas no cérebro como em outros tipos de dependência.”

Os criadores da série usam muitos truques psicológicos. É especialmente difícil para as pessoas com deficiência mental resistir a elas.

Pessoas cujo estado mental não é totalmente seguro ficam viciadas em programas de TV da mesma forma que ficam viciadas em drogas, álcool ou sexo – com a única diferença de que os programas de TV são muito mais acessíveis.

Para ficarmos muito tempo nas telas, os criadores da série usam muitos truques psicológicos. É especialmente difícil para as pessoas com deficiência mental resistir a elas. Vamos começar com como esses programas são filmados e editados: uma cena após a outra, a câmera pula de personagem em personagem. A edição rápida torna a imagem mais interessante, é quase impossível romper com o que está acontecendo. Essa técnica tem sido usada há muito tempo na publicidade para chamar nossa atenção. Parece que se desviarmos o olhar, perderemos algo interessante ou importante. Além disso, «slicing» não nos permite perceber como o tempo voa.

Outro «gancho» pelo qual nos apaixonamos é o enredo. A série termina no lugar mais interessante, e mal podemos esperar para ligar o próximo para descobrir o que acontece a seguir. Os produtores sabem que o espectador está esperando um final feliz, porque ele se associa ao personagem principal, o que significa que, se o personagem estiver com problemas, o espectador precisará descobrir como sairá disso.

Assistir TV e séries nos ajuda a abafar a dor e preencher o vazio interior. Temos a impressão de que estamos vivos. Para aqueles que sofrem de depressão, isso é especialmente importante. Mas o fato é que enquanto estamos fugindo de problemas reais, eles se acumulam e a situação se agrava.

“Nosso cérebro codifica qualquer experiência: o que realmente aconteceu conosco, e o que vimos na tela, lemos em um livro ou imaginamos, como real e manda para o cofrinho das memórias”, explica a psiquiatra Gaiani DeSilva. — Ao assistir a série no cérebro, as mesmas zonas são ativadas no decorrer de eventos reais que acontecem conosco. Quando nos apegamos a um personagem, seus problemas se tornam nossos, assim como seus relacionamentos. Mas, na realidade, todo esse tempo continuamos sentados no sofá sozinhos.

Caímos em um círculo vicioso: a TV provoca depressão e a depressão nos faz assistir TV.

O desejo de “rastejar em sua concha”, cancelar planos e se afastar do mundo é um dos primeiros sinos alarmantes de uma depressão iminente. Hoje, quando os programas de TV se tornaram uma forma socialmente aceitável de isolamento, é especialmente fácil perdê-los.

Embora o aumento de dopamina possa fazer você se sentir melhor e tirar sua mente de seus problemas, a longo prazo, assistir compulsivamente é ruim para o seu cérebro. Caímos em um círculo vicioso: a TV provoca depressão e a depressão nos faz assistir TV. Pesquisadores da Universidade de Toledo descobriram que aqueles que assistem a programas de TV experimentam mais estresse, ansiedade e depressão.

O que está acontecendo conosco hoje é compreensível: o trabalho para vestir (muitas vezes não amado) deixa menos tempo para comunicação com os entes queridos e atividades ao ar livre. As forças permanecem apenas para o lazer passivo (seriados). É claro que cada um dos que sofrem de depressão tem sua própria história e, no entanto, é impossível não notar a trajetória ao longo da qual a sociedade se move. A “era de ouro” das pequenas telas tremeluzentes também é uma era de declínio da saúde mental. Se passarmos do geral para o particular, para uma pessoa específica, assistir filmes sem fim nos aliena dos outros, nos impede de cuidar de nós mesmos e fazer o que nos ajudaria a ser felizes.

Às vezes me pergunto quantas ideias minha cabeça poderia ter se eu tivesse deixado minha mente vagar e ficar entediada e fantasiar. Talvez a chave para a cura estivesse dentro de mim todo esse tempo, mas nunca me permiti usá-la. Afinal, quando tentamos “bloquear” tudo de ruim que se passa na nossa cabeça com a ajuda da televisão, bloqueamos também o bom.


Sobre a autora: Eloise Stark é jornalista.

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