Psicologia

Somos ensinados desde a infância: “ficar com raiva é ruim”. Muitos de nós estamos tão acostumados a suprimir nossa raiva que quase esquecemos como senti-la. Mas a agressão é a nossa energia. Ao recusá-lo, nos privamos da força necessária para viver uma vida plena, diz a psicóloga Maria Vernik.

Raiva e força vêm da mesma fonte, cujo nome é energia. Mas se amamos a força em nós mesmos, desde a infância somos ensinados a não amar a raiva. Parece levar a conflitos e brigas. A expressão de raiva pode realmente ser destrutiva. Mas entre a raiva irracional e o silêncio completo, há muitas oportunidades para expressar raiva.

Sentir raiva e estar com raiva não são a mesma coisa. As crianças são informadas: «Você pode ficar com raiva, mas não brigar», compartilhando seus sentimentos e ações.

“Você pode ficar com raiva” – muitas vezes tenho que me lembrar dessa frase, como todas as pessoas que cresceram em uma sociedade com proibição de agressão.

Sem sentir raiva, você não vai avaliar a situação de violência como violência, você não vai sair dela a tempo

Sentir raiva é útil, mesmo que seja apenas para saber o que está acontecendo na realidade. Imagine que você perdeu a sensibilidade à dor. Passando um fogão quente, você terá uma queimadura maior, não poderá curar e aprender a contornar o fogão.

Além disso, sem sentir raiva, você não avaliará a situação de violência como violência, não sairá dela a tempo e não poderá se fornecer primeiro atendimento psicológico após o ocorrido.

Pelo contrário, uma pessoa, unida à sua raiva, distingue situações de violência pelo fato de nelas sentir claramente sua raiva. Ele não desiste de sua raiva por causa de um relacionamento ou uma “boa auto-imagem”.

No exemplo da queimadura, a conexão entre os receptores de dor e o cérebro que processa o sinal dos receptores é perdida. Uma pessoa que foi proibida de mostrar sua raiva e foi estuprada ao mesmo tempo (empurrões, tapas, surras, chantagens, ameaças) demora muito para reconectando a conexão entre sentir raiva e aceitar esse sentimento. “Já não me recuso a sentir minha raiva” é uma decisão que pode ser tomada ao longo do caminho.

O primeiro passo para se reconectar com sua agressividade e, portanto, com força, é perceber sua raiva.

Se a raiva está “desligada”, ficamos desorientados com o que está acontecendo conosco, tanto dentro de nós mesmos quanto no contato com outra pessoa. “Talvez eu tenha pensado por que eu diria algo para o interlocutor?” — tal dúvida surgirá se eu não tiver certeza de que é raiva que sinto. O lugar da raiva inconsciente é ocupado por um sentimento de ansiedade vaga, ansiedade, a situação é percebida como desagradável, você quer fugir dela. Ao mesmo tempo, não está totalmente claro o que fazer, porque a raiva também não é totalmente percebida.

O primeiro passo para se reunir com sua agressividade e, portanto, com força, é perceber sua raiva: como, quando, em que situações ela se manifesta. Ser capaz de sentir sua raiva assim que ela surge parece um grande passo para encontrar seu poder perdido. Sinta a raiva e continue sentindo.

Ao nos acostumarmos a não sentir raiva, parecemos eliminar mais do que apenas raiva: perdemos uma grande parte de nós mesmos. Sem muito de nossa energia, podemos não ter forças para fazer as coisas mais simples.

Vejamos cinco razões pelas quais é «bom» sentir raiva.

1. A raiva o ajuda a lidar com sentimentos de impotência.

As frases que dizemos a nós mesmos, necessárias em qualquer idade: “eu posso”, “eu mesmo”, “vou fazer” são manifestações de nossa força. A sensação de que estou lidando com a vida, com os assuntos, não tenho medo de falar e agir, me permite experimentar a auto-estima, confiar em mim, sentir meu poder.

2. A raiva é uma diretriz para entender que não gostamos do que está acontecendo

Mesmo que ainda não tenhamos tido tempo de entender com nossas mentes que a situação mudou, nossa irritação já disse: “Algo está errado, não me convém”. Temos a oportunidade de mudar o estado de coisas que ameaça nosso bem-estar.

3. A raiva é o combustível para a implementação dos assuntos

Você se lembra dos casos em que um espírito de luta, um desafio ou uma agressão canalizada ajudaram a alcançar resultados favoráveis? Por exemplo, ficando com raiva de alguém, você fez a limpeza no mesmo fôlego.

Se você olhar para a raiva de forma mais ampla, ela se torna um poder mágico que permite transformar pensamentos em ações e ideias em produtos. A raiva ajuda não a sonhar, mas a encarnar. Assuma o risco de começar um novo, continuando e terminando o que começou. Superar obstáculos. Tudo isso é feito por nossa energia, que às vezes começou justamente com um sentimento de raiva. Tomado de competição, sentimentos de inveja ou protesto.

4. A raiva nos mostra como somos diferentes dos outros.

A raiva é a energia da separação. Isso nos permite questionar nossos rótulos e buscar nossas próprias opiniões. Ao aprender algo novo, podemos nos sentir incomodados: “Não, isso não combina comigo”. Neste momento, há uma oportunidade de descobrir sua verdade, de desenvolver suas crenças, começando pelo “oposto”.

É a raiva que nos dá essa força, sem a qual é impossível se afastar da sêmola com um ano e deixar nossos pais com vinte. A energia da separação (raiva) permite que você veja com calma a diferença entre a sua posição e a das outras pessoas. Outro pode ser diferente, e eu posso ser eu mesmo. E isso não significa que a raiva e os relacionamentos sejam incompatíveis. Eu posso ficar com raiva, o outro pode ficar com raiva de mim, nós expressamos nossa raiva, ela não se acumula e não detona. Isso nos ajuda a continuar o relacionamento de maneira honesta e igualitária, como é, com todas as alegrias e todos os aborrecimentos que existem em qualquer relacionamento.

5. A raiva permite que você tome uma posição e revide.

A capacidade de proteger seus interesses é uma dádiva direta da raiva. A raiva nos permite prevenir incorretos, inadequados para nos dirigirmos a nós mesmos, independentemente do grau de relacionamento com o agressor e das circunstâncias da vida. Dá a você o direito de proteger seu corpo e espírito, a capacidade de esclarecer, defender sua posição, exigir, revidar.

Para resumir, suprimir a raiva em nós mesmos é um caminho para a depressão, pois nos privamos de energia. É bom sentir e estar ciente da raiva, não importa como decidamos expressá-la. Entendendo o que a raiva está nos dizendo, entendemos mais nossa vida interior e aprendemos a agir na realidade.

Podemos não apenas olhar para nossa raiva como uma força destrutiva e incontrolável, mas também correr riscos e aprender a usar a energia da raiva para nos manifestar, nos mover e nos expressar.

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